quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Entrevista com Rosa Passos



"Música brasileira de consumo imediato 
não faz sucesso lá fora", Rosa Passos. 

Helder Miranda
Em agosto de 2008 / introdução reescrita em outubro de 2010



Comparada no exterior com Ella Fitzgerald, a cantora brasileira Rosa Passos é famosa internacionalmente, mas praticamente desconhecida, ou desvalorizada, pela imprensa brasileira - o que é uma pena. Agora, em turnê nacional, começa a divulgar o CD de baladas Romance (Universal). Durante a conversa, que durou aproximadamente meia hora, esta baiana de Salvador, que vive há 34 anos em Brasilía, respondeu, ao som ambiente da livraria (o CD Rockfeller, da cantora Duffy) com exclusividade todas as questões, mostrando certa irritação quando o assunto era o mundo pop. Sorte do repórter, que em um dia chuvoso teve a oportunidade de conhecer a fundo este talento, e uma pena para os leitores de outros veículos, que mais uma vez não tiveram a oportunidade de conhecê-la como ela, merecidamente, deveria ser. 

Como é ser considerada o João Gilberto de saias?
(Risos) Essa pergunta me acompanha há muitos anos e eu já saí desse esquema de João Gilberto de saias (risos), desde 79 que esta história está rolando...

Como isso começou?
Isso começou com Silvio Lancelotti, quando lancei meu primeiro disco em 79,que tinha influências grandes da Bossa Nova, mas isso já passou, acabou... Eu já fiz tantas coisas, tantos trabalhos. As pessoas tem o costume de rotular muito o artista como uma coisa só, e eu tenho um trabalho muito mais diversificado. Essa coisa de “João Gilberto de saias”, confesso a você que já não aguento mais! É uma honra, é maravilhoso, mas eu já saí dessa história. Tanto que lá fora eu sou considerada uma cantora de jazz. Ninguém fala em “João Gilberto” de saias. Eu sou comparada a Ella Fitzgerald!

Mesmo não gostando, você continua comparada. Como é isso?
Acho maravilhoso, mas tenho o meu trabalho como compositora e intérprete. As regravações que faço tem um toque muito pessoal. Como intérprete, gosto muito disso.

Qual a repercussão da música brasileira no exterior?
Muito boa. É um trabalho que já faço há 12 anos, que venho plantando, e nos últimos anos, vem sem reconhecido nos Estados Unido e na Europa. Agora, a coisa está acontecendo de fora para dentro, as pessoas estão começando a ter curiosidade em relação ao meu trabalho aqui no Brasil por causa do exterior, onde tenho as portas completamente abertas pra mim. Eu fiz o Carnegie Hall sozinha com meu violão, recebi um título de doutora honoris causa da Berkleys, que é a maior escola de jazz do mundo. São muitas coisas importantes que tem acontecido comigo lá fora e também na Europa, onde tenho um trabalho muito conceituado porque já venho plantando isso há muitos anos.

Começar como artista no exterior é mais difícil?
Minha carreira internacional foi natural porque meus discos foram chegando primeiro lá fora. Depois de quatro anos no mercado europeu e norte-americano, comecei a me apresentar como artista convidada. Meus discos já estavam nas lojas, e já havia saído críticas em jornais e revistas conceituadas, conquistado um público. Foi bem tranquilo.

Mas qual o segredo de construir uma carreira sólida fora do país?
Você tem de fazer uma música de qualidade para acontecer lá fora. Música brasileira de consumo imediato não faz sucesso lá fora. A visão que o americano gosta de ter da música brasileira é a de qualidade, a Bossa Nova, a música do Tom Jobim, Ivan Lins. Não adianta, por exemplo, você levar axé.

Em quais países que a MPB tem menor repercussão?
Já me apresentei na Espanha, Itália, França, Alemanha e Estados Unidos  e olha... Nenhum tem menor repercussão (risos). Tenho uma visibilidade de extensão muito grande nos Estados Unidos. Quando você se apresenta neste país e aparece no New York Times, recebe opinião dos grandes críticos de música de jazz... Então o mundo inteiro fica sabendo sobre você.

Que estilo musical você prefere?
MPB e jazz, que é o meu estilo, minha característica.

E a Bossa Nova, que rendeu tantas comparações?
A Bossa Nova é a prima do jazz. Descobri uma fórmula que possibilitou que eu juntasse o Jazz com a Bossa Nova e fizesse uma coisa muito jazzística, sem que perdesse a brasilidade e o suíngue.

Você acredita que a Bossa Nova um dia será superada por algum outro estilo musical?
Eu não digo “ser superada”. A Bossa Nova tem o lugar dela, é eterna, nunca vai envelhecer. Pra muita gente aqui no Brasil Bossa Nova é música da noite. Agora, neste ano, em que faz seu 50o aniversário, está melhor que aos 40. Até pessoas que não têm nada a ver com Bossa Nova estão gravando discos, homenageando. Isso é interessante...

Você não considera oportunismo?
Olha, não vou dizer nada... (risos) Cada um sabe da sua consciência... Se estão homenageando com amor e carinho, que seja. Se está homenageando a bossa nova de verdade, que bom! Mesmo que não seja a sua praia, o seu estilo.

Qual a sua opinião sobre as novas cantoras que estão surgindo, como Amy Winehouse?
Olha, eu gosto muito da Madeleine Perrot, que por sinal é muito minha amiga e fã. Eu gosto muito da Stacy Cant, que vem agora pro Tim Festival, interessantíssima. Tem a spelance spaldwin  que é baixista e cantora também. A Amy é uma coisa com um jazz mais pro pop, eu não a acompanho. Em relação à Diana Kral, nós não somos amigas, nunca estivemos juntas, mas eu curto muito ela, e ela me curte muito. Ela esteve no Brasil no início do ano e falou sobre mim várias vezes, inclusive manifestou desejo de gravarmos juntas.


Tem essa possibilidade?
Claro, a gente tendo uma possibilidade de agenda... Como ela ama o meu trabalho eu amo o dela. Fico muito orgulhosa de ter ela gostando do meu trabalho

Na música brasileira, quem você indicaria?
Não estou escutando. Hoje na música brasileira são muitos cantores aparecendo. Tem muito espaço para o pop e eu não tenho muita ligação com esse gênero. Assim, tem umas cantoras de samba e tal, mas eu confesso a você que eu viajo muito, então eu não tenho acompanhado e , como sou muito tradicional, então fico naquelas que já sei, que conheço. Agora eu gosto muito da Maria Rita. Esse novo trabalho dela voltado ao samba é muito interessante. A Maria Rita é uma cantora talentosíssima, herdou da mãe essa coisa maravilhosa, tem uma voz belíssima e eu acho que esse disco dela de samba é superinteressante.

Qual a sua opinião sobre esses programas que estão em busca de um novo ídolo?
Eu não assisto, não gosto de dar opinião porque essa parte de mundo pop realmente não é o meu mundo. Estou preocupado com o que aluem lá nos Estados Unidos vai lançar de novo... Estou muito ligada o jazz. Porque com MPB eu mantenho a minha tradição. Tem um disco de Edu Lobo que eu amo de paixão, que se chama Meia Noite, que estou sempre ouvindo. Tenho uns discos de cabeceira que eu mantenho esses. Coisa pop eu não tenho contato.

Por que essa rejeição?
Não é rejeição. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar, mas não tem nada a ver com meu estilo. Não tenho nada a ver com o pop, entendeu? Acho legal, mas tenho e escolhi outro camionho. Não é rejeição. Tanto que meu disco, indicado no latin Grammy agora, é um disco de jazz, e colocaram no popo contemnporâneo. Não tenho nada a ver com pop contemporâneo!

E o que você achou dessa classificação?
Eu achei ridículo. Porque minha gravadora me colocou numa categoria Jazz, que é a de meu disco Romance. E esse é o mais novo, é um disco de baladas brasileiras bem jazzístico, que não tem nada a ver com pop e no entanto o Latin Grammy colocou ele numa categoria que não tem nada a ver. Não tenho nada contra o pop, inclusive eu adoro os pops de Djavan. Eu gravei no Azul a  música Açaí, eu canto Samurai nos meus shows, entendeu? Com uma levada jazzística. Mas são os pops bons, as coisas boas. Não tenho nada a contra. Acho que todo mundo tem o direito a um lugar ao sol, só que não é minha praia. Eu sou uma cantora de jazz, então meu mundo é outro.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Entrevista com Edson Aran





Por Helder Miranda

em dezembro de 2009


"Playboy é uma revista libertária, sempre foi", Edson Aran. 

Atuando desde 2006 como diretor de redação da revista Playboy, após uma bem-sucedida reformulação na concorrente Sexy, Edson Aran é hoje um dos nomes mais fortes do jornalismo brasileiro. É ele quem convence as famosas, que povoam o imaginário erótico brasileiro, a estamparem as capas da publicação, sempre envoltas em muita especulação a respeito de quem será a próxima. Nessa conversa franca, pela primeira vez na região, fala sobre machismo, nudez feminina e medo de envelhecer.

Quais os principais argumentos para convencer uma mulher a ser capa da revista?
Não é financeiro, posso garantir, embora este seja o segundo argumento mais importante na hora do assédio. O principal é que faça sentido na carreira da estrela de capa, que seja algo que acrescente, um trabalho importante na carreira dela. Se fizer sentido para a estrela de capa, o restante se soluciona. E se não fizer, não haverá dinheiro que a convença do contrário.

A Playboy já foi considerada pela crítica uma publicação machista?
Nos anos 70, foi considerada machista pelas feministas brasileiras (um grupo de seis mocreias solteironas). Era uma época de posições muito radicais, pré-Camille Paglia, pré-Sex And The City, na qual os conceitos de “machismo” e “feminismo” ainda estavam muito embaralhados.

Qual o seu ponto de vista sobre o assunto?
Na verdade, a revista tem um papel importante na liberação sexual e, portanto, na liberação da mulher. Playboy é uma revista libertária, sempre foi. Foi a primeira revista masculina a tratar a mulher como companheira do homem, com o mesmo direito ao prazer e à liberdade.

Capas nada óbvias, como a de Fernanda Young, representam um avanço na maneira de o brasileiro lidar com o erotismo?
Na verdade, a Playboy sempre trabalhou com os diversos tipos de beleza que compõe a mulher brasileira. Nos anos 80, por exemplo, a revista tinha capas com as mulatas do Sargentelli e também com a Dina Sfat. Nos anos 90, com as Sheilas (Mello e Carvalho, dançarinas do extinto grupo de axé É o Tchan!) e também com a Marina Lima. Não tem novidade aí. A Fernanda Young é gostosa, é uma mulher sensual e isso está evidente no ensaio do Bob Wolfenson, um dos melhores já publicados O resto é inveja de mulher que gostaria de ser a Fernanda Young e não é.

Como os homens iguais a você, que só lidam com beldades, encaram o envelhecimento?
Muito mal, como todo mundo, mas não vou entregar os pontos. Estou malhando, coisa que nunca fiz na vida, e estou gostando da experiência. Uso shampoo para manter os cabelos no lugar, protetor solar para evitar mais rugas, essas coisas. Além disso, a genética me ajuda. Modéstia à parte, eu pareço dez anos mais novo do que sou. É sério.

Alguma das "coelhinhas" da publicação já o deixou constrangido de alguma forma?
Não que eu me lembre. Não é muito fácil me constranger. Além disso, tem muita gente envolvida num ensaio de capa. O estúdio está sempre cheio de gente.

Como você explica a Mulher Melancia vender mais que a Flávia Alessandra?
Mulher Melancia é um desses fenômenos inexplicáveis que surgem de vez em quando. É igual furacão, tsunami, terremoto. Ninguém explica, simplesmente acontece. Agora, na edição regular, Flávia Alessandra, em 2006, vendeu mais que a Melancia em 2007. O que acontece é que fizemos vários produtos com a Melancia - pôster, especial, DVD - e todos venderam muito bem. Na soma total dos produtos, a Melancia vendeu mais de meio milhão de revistas. 

O que mais atrapalha uma negociação na revista?
Notícias mal apuradas, maldosas ou simplesmente inventadas e publicadas por maus jornalistas. Eu entendo que uma boa coluna de celebridades precisa de fofoca, mas jornalismo ainda se faz com apuração, não com ficção.

O que tem a dizer sobre as informações divulgadas por Fabíola Reipert de que a capa de Fernanda Young encalhou nas bancas?
Já falei sobre maus profissionais na pergunta anterior. Decidi que não vou mais comentar ficção. Não sou crítico literário. 

Algum dos envolvidos nas fotos das modelos nuas já se apaixonou por alguma delas?
Ah, possivelmente. Afinal, são 35 anos de revista, mais de mil mulheres já tiraram a roupa para a Playboy brasileira (são três por edição, 12 edições por ano, fora os especiais). Se isso aconteceu, tudo foi muito, muito discreto.

Você pode adiantar algum nome que será brevemente divulgado como capa da publicação?
A capa de janeiro é a Juliana Salimeni, do Pânico na TV. Em fevereiro, a Renata Santos, madrinha de bateria da Mangueira. E, em março, Mônica Apor, repórter do TV Fama, mas, lembre-se, planos existem para serem mudados.

Geisy Arruda disse que tem preferência pela Playboy. Qual o real interesse da publicação por ela?
Queria ter feito um especial para sair em dezembro. Infelizmente, isso não se concretizou. Voltaremos a conversar no ano que vem, se a Geisy continuar despertando paixões.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Entrevista com Marcelo Duarte



"Achei que seria fácil e bastaria matar uma mosca, mas infectologistas estudiosos apontaram controvérsias nessa teoria. A resposta certa seria com uma mosca viva" - Marcelo Duarte. 

Por Helder Miranda
Em maio de 2010


Autor da série de livros O Guia dos Curiosos, Marcelo Duarte é jornalista e um dos sócios da editora Panda Books, que revelou ao Brasil o fenômeno Bruna Surfistinha, a protagonista do Best-seller que inspirou um longa-metragem estrelado por Deborah Secco e estará em breve nos cinemas. Apresenta o programa Loucos por Futebol  e Game Up na ESPN Brasil e dois programas na rádio Bandeirantes, de São Paulo. Também escreve todas as semanas a página Curiocidade no Jornal da Tarde e colabora em uma série de publicações.

A curiosidade vem da infância?
Sim. É engraçado, porque eu era leitor até de bula de remédios. Por mais que eu não entendesse o assunto, sentia vontade de ler. Sempre fui um perguntador, um curioso.

E na adolescência, como era isso?
O colégio torna qualquer um reprimido. Eu pensava: “se eu começar a perguntar, vão cair de pau”, e ficava quieto. Quando lancei O Guia dos Curiosos, ganhei uma espécie de “alvará” das pessoas, que me dá o direito de fazer qualquer pergunta que tiver vontade.

Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Naquelas visitas em família, no interior, passei uma tarde lendo uma enciclopédia de capa dura sobre curiosidades, editada nos anos 60. Era divertido, mas desatualizado. Para escrever minhas matérias, usava uma pasta de recortes com curiosidades. Escrever um livro sobre isso foi natural.

Existe alguma pergunta que não tenha resposta?
Não. Costumo dizer que não sei tudo, mas conheço pessoas que sabem. Por isso, levo vantagem.

Então, qual a resposta mais difícil de conseguir?
A mais marcante, com certeza, foi o peso de uma mosca. Achei que seria fácil e bastaria matar uma mosca, mas infectologistas estudiosos apontaram controvérsias nessa teoria. A resposta certa seria com uma mosca viva. Demorei muito para ter essa informação, que não foi publicada na primeira edição de O Guia dos Curiosos.

Falando sobre esta série de livros, sobre o que será o próximo?
Videogames, será lançado no final do ano. A ideia veio pelo programa Game Up, que apresento. É um tema rico, que atrai a garotada e está sendo escrito de uma maneira muito divertida.

Você pensa em escrever ficção?
Escrevi cinco livros infanto-juvenis para a Série Vagalume, da editora Ática, que juntos venderam 200 mil exemplares. No segmento adulto, talvez. Se for para escrever, gostaria que fosse alguma personalidade cuja história de vida tivesse fôlego para sustentar um livro.

A internet modificou o perfil do leitor?
Não, pelo contrário. O leitor ideal é aquele que lê cada vez mais e, ao mesmo tempo, está conectado a ferramentas da internet, como blogs e Twitter, usando-os para ações construtivas. Antes, as pessoas não tinham acesso a sites, TV à cabo e, se ficar restrito à isso, terá uma visão superficial da vida.

E os escritores, com a rede, permanecem os mesmos?
Hoje em dia temos blogueiros que usam a internet como vitrine. A própria Raquel Pacheco, que ficou conhecida como Bruna Surfistinha, ficou famosa a partir dos relatos em seu blog. É um caminho para quem quer se profissionalizar como escritor, mas tem de chamar a atenção por fazer algo diferente, ser comentado pelos internautas. Não é acreditar que faz algo inovador, sendo que na verdade é igual a milhares de outros.

Como foi sair das redações para editar livros?
Editar revistas, que tinham de sair no final do mês, era algo normal e menos trabalhoso que livros, que têm de sair perfeitos. A dificuldade, no entanto, não foi essa. O difícil é atuar como empresário, lidar com banco, fornecedores... A sorte é que tenho uma sociedade que lida com zelo, e a empresa cresceu.

O que pensa de O Doce Veneno do Escorpião virar filme?
Achei o máximo! Pelo que li do roteiro, que está muito bem escrito, acredito que será um sucesso! Ainda mais com a Deborah Secco, que é uma superestrela. Muitos diziam que o sucesso de Raquel Pacheco (protagonista do livro), que figurou nas listas de mais vendidos, não perduraria. Agora, com certeza, com este lançamento, terá o mesmo “boom” do início.


O Guia dos Curiosos
ofuscou o seu trabalho anterior, como jornalista?
Reconheço que essa nova geração me conhece por esse trabalho, mas as pessoas que já acompanhavam, não. Sempre que me convidam para fazer outro tipo de reportagem, eu me sinto muito bem, e em forma! É claro que agora ficou tudo mais focado no segmento da curiosidade, que ficou consagrado. Não sou o tipo de cara que sente ciúmes de si próprio, está tudo ótimo!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista com Ana Miranda




"A literatura permeia tudo" - Ana Miranda

Helder Miranda
Junho de 2004

Publicada no site cultural Resenhando.


A escritora de romances e poesias, Ana Miranda, contemplada pela segunda vez com o prêmio jabuti e premiada pela Biblioteca Nacional é a autora de Desmundo, romance recentemente adaptado para o cinema, Boca do Inferno e Dias e Dias. Ana Miranda colaboradora da revista Caros Amigos, mas começou na literatura por meio de poemas e poesias, surgindo seus dois primeiros livros: Anjos e Demônios (Editora José Olympio/INL, Rio de Janeiro, 1979) e Celebrações do Outro (Editora Antares, Rio, 1983).

Em 1989, publica seu primeiro romance,
Boca do Inferno, uma visita literária ao passado colonial brasileiro pela recriação das vidas do poeta Gregório de Matos e do jesuíta Antonio Vieira. A obra foi bem recebida pelo público, pela crítica - recebeu o Prêmio Jabuti de 1990 - e por professores que a adotaram como fonte para estudos literários sobre o barroco brasileiro. O romance foi lançado também na França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos, Argentina, Noruega, Espanha, Suécia, Dinamarca, Holanda e Alemanha.

Outro tema histórico é recriado em seu segundo romance,
O Retrato do Rei, de 1991. A seguir, Sem pecado, de 1993, Sem Pecado traz a autora à ação contemporânea, mas em seu romance seguinte, A Última Quimera, de 1995, a Belle Époque do Rio de Janeiro é o cenário em que outro poeta, Augusto dos Anjos, tem sua vida ficcionalizada. A obra rendeu à autora uma bolsa da Biblioteca Nacional.

Desmundo
(livro que originou o filme dirigido por Alain Fresnot) , outra ficção histórica, é de 1996. Com uma linguagem do século XVI, conta a história de órfãs mandadas de Portugal ao Brasil para se casar com os colonos. Todos os romances acima foram publicados pela Companhia das Letras, em São Paulo. Outra figura sagrada da literatura brasileira, desta vez Clarice Lispector, é transformada em personagem. A novela Clarice é lançada em 1996 na Alemanha e no Brasil pela Fundação Rio. A Companhia das Letras reeditou a obra em 1998. Ainda pela Companhia das Letras, é publicado em 1997 o romance Amrik, passado no fim do século 19, sobre os imigrantes libaneses em São Paulo. Em 1999 são publicados os primeiros contos de Ana Miranda, reunidos no volume Noturnos. Em 2002, outro poeta se transforma em personagem. Em Dias e Dias, Gonçalves Dias é aproveitado pela autora para dar voz à linguagem do romantismo.

Além da produção literária, Ana Miranda escreve artigos, resenhas e ensaios para jornais e revistas, roteiros de cinema e trabalha na edição de originais, organizando obras de nomes como Vinícius de Morais e Otto Lara Resende. Em 1998, reuniu para a editora Dantes uma coletânea de poesias de amor conventual,
Que Seja em Segredo, e em 2000, uma antologia de sonhos intitulada Caderno de Sonhos. Foi escritora visitante na Universidade de Stanford em 1996, e faz palestras e leituras em universidades e instituições culturais de diversos países. Desde 1999 Ana Miranda faz parte do grupo de escritores que concede anualmente, em Roma, o Prêmio União Latina de Romance.

Ana Miranda nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951, e mudou-se para o Rio de Janeiro aos quatro anos de idade. Em 1959 foi para Brasília, ao encontro de seu pai, engenheiro, que trabalhava na construção da cidade. Em 1969 voltou para o Rio de Janeiro, a fim de prosseguir com seus estudos de artes.

Vale lembrar que Ana Miranda tem uma longa história no cinema como atriz e roteirista. Foi uma índia em
Como Era Gostoso o Meu Francês (1970/72) e protagonizou, com Jofre Soares, o longa-metragem A Faca e o Rio, que o holandês George Sluizer realizou no Brasil em 1972. Desde 1999 Ana Miranda mora em São Paulo.


O que representa a literatura em sua vida?
ANA -
É o meu trabalho, é o meu alimento espiritual, é a minha vida, não poderia mais viver sem literatura, seja lendo, seja escrevendo.


Você já escreveu Boca do Inferno, sobre a vida de Gregório de Matos, A Última Quimera, sobre Augusto dos Anjos, Clarice, sobre Clarice Lispector, e Dias e Dias, sobre o poeta Gonçalves Dias. De onde vem sua paixão por biografias, por que só escritores, e até que ponto é possível romancear a vida de alguém?
ANA -
Na verdade não escrevo biografias, são romances, em que poetas ou escritores são personagens, e o foco não é a biografia desses autores, mas o mundo em que eles viveram. Isso nasceu de meu amor pela poesia, e pela palavra, esses poetas que escolhi como tema são fontes literárias muito ricas. Meus personagens não são apenas escritores, são padres, prostitutas, governadores, índios, moças do interior, bandidos, etc, mas parece que o que tem marcado mais meu trabalho, para os leitores, é a presença dos personagens poetas e escritores. Falo sobre mundos em que a história literária é fundamental, sim, em alguns livros, mas há muito mais entre o céu e a terra... As biografias, em geral, mesmo quando objetivas, sempre têm um ar de romance, sempre que se usa a palavra para contar algo, a visão é muito subjetiva, porque a palavra é subjetiva.

Em uma de suas entrevistas, você afirma que seu trabalho deve aparecer mais que sua vida pessoal. Em contrapartida, o fato de ganhar pela segunda vez o prêmio Jabuti de Literatura, e a adaptação de
Desmundo para o cinema faz com que ganhe cada vez mais notoriedade. O que isso muda em sua carreira?
ANA -
Minha vida continua a mesma de sempre, gosto de escrever, escrever, escrever, e ler, ler, ler, e ficar em casa quieta escrevendo e lendo. Nem os prêmios, nem o filme, mudam minha vida, sinto que estou ficando cada vez mais conhecida, pelo Brasil afora, mas a minha vida continua a mesma.


A maioria de suas protagonistas são mulheres vindas de outros continentes e o pano de fundo é quase sempre um momento histórico. Não teme ser considerada escritora de uma só história?
ANA -
Não, acho que todos os escritores estão sempre escrevendo o mesmo livro, porque o livro é um retrato da alma de quem o escreveu, e a alma é sempre a mesma, ainda que mudem o cenário, a época, os personagens. Acho bom sentir uma certa unidade em meu trabalho, até busco essa unidade.

Seus personagens são muito ardentes e sensuais. Há algum reflexo de personalidade entre eles e o temperamento da autora?
ANA -
Não acho o Braço de Prata ardente ou sensual, nem o padre Vieira, nem a Bernardina Ravasco, nem a Feliciana, nem tantos outros. O que acontece é que o tema de Boca do Inferno é ardente e sensual, é a Bahia colonial, com muita devassidão, muitos pecados. Também a Amina, de Amrik, é muito sensual, pois é uma dançarina libanesa e há a presença da literatura árabe, as Mil e uma noites, o Jardim das delícias, que são livros ardentes e sensuais. Claro que gosto de lidar com essa matéria, tenho um lado sensual e ardente, todos temos, alguns escondem, alguns ignoram, mas todo ser humano é dotado de sensualidade.

Qual a sua opinião sobre a importância que, hoje em dia, o livro exerce sobre a população?
ANA -
Não sei medir, sei que os livros são fundamentais, a literatura permeia tudo, desde sempre, e para sempre, não seríamos a humanidade que somos se não houvesse o livro. É uma peça de extraordinária profundidade na história da comunicação humana, um museu da alma, do intelecto, do espírito, do tempo, do sentimento, um museu da humanidade.

Quem você acha que são as pessoas que constituem seu público alvo? Por que?
ANA -
Não tenho público alvo, escrevo para mim mesma. As pessoas que gostam dos meus livros são as pessoas que têm afinidade comigo, com o que eu escrevo, mas são as mais variadas, só têm em comum o fato de serem alfabetizadas.

Para você, a evolução tecnológica está afastando as pessoas dos livros, da boa leitura?
ANA -
Quem gosta de ler sempre vai gostar de ler, a tecnologia não tem nada a ver com isso, apenas ajuda a se escrever mais facilmente um livro, a se imprimir melhor os livros, a se comprar mais facilmente um livro. Mas não há nenhum plano no sentido de usar a tecnologia para aproximar as pessoas dos livros, ou da boa leitura, o que seria muito bom, se acontecesse.
O que você sente quando um livro seu é lançado?
ANA -
Sinto alívio quando termino um livro, sinto apreensão quanto ao que vai acontecer, ao que vão dizer, se vão compreender o livro. Mas, em geral, quando o livro é lançado, já estou escrevendo outro, e isso dilui um pouco a minha relação com o lançamento.

Quem são seus ídolos na literatura? Sofreu ou sofre alguma influência deles?

ANA - Não tenho ídolos, nunca tive, vejo os escritores como seres humanos, com suas peculiaridades. Claro, admiro profundamente certos textos, como os de Shakespeare, Kafka, Proust, Borges, etc etc, uma infinidade de autores e livros me encantam. E todos eles me influenciam, sou muito permeável a influências. 


Na literatura, tem algum nome da nova safra de escritores que você destaca? Por quais motivos?
ANA -
Você está falando da literatura brasileira, certamente. Acho que tenho mais afinidade com o Miltom Hatoum, acho-o maravilhoso, sério e profundo, mas gosto de muitos, muitos, o Cristóvão Tezza, o Bernardo Carvalho, a Patrícia Melo, o Carlos Sussekind, o Marçal Aquino, o Bernardo Ajzenberg, adoro a poesia de Marco Luchesi, acho-o surpreendente e elevado como o infinito, poderia fazer uma lista imensa, são muitos os escritores a destacar.

Fale sobre seus poemas. Continua escrevendo-os? Existe alguma possibilidade de reeditá-los?
ANA -
Continuo recebendo poesias em minha cabeça, e anoto, guardo, esqueço. Não penso em publicá-las, não sou boa em poesia. Não gostaria de reeditar meus livros de poesia, não são bons, e não quero ocupar o espaço dos poetas, que é tão restrito, poucas editoras se aventuram a publicar poesia de novos poetas. Louvo as que o fazem.

Você prefere escrever romances, contos ou poemas? Por que? E para ler, prefere qual desses gêneros literários?
ANA -
Prefiro escrever romances, sou romancista, sinto mais desenvoltura quando escrevo romance, sinto que estou fazendo o que gosto de fazer, o que aprendi a fazer, não sou boa contista, são coisas muito diferentes. Isso não significa que meus romances excluam os outros gêneros, hoje os limites são muito difusos. Para ler, gosto, primeiro, de poesia, depois de romance, depois de conto, geralmente é assim, mas tem épocas em que só leio contos, e outras em que só leio poesia, e outras em que só leio romances, isso depende de meu estado de espírito.
O que sente tendo seus livros publicados em outras línguas?
ANA
- Acho horrível, arriscadíssimo, tenho a sensação de que não é mais o meu livro, não escrevi nada daquilo, gostaria que todos aprendessem português para ler os nossos livros no original. Mas sinto orgulho quando olho a minha estante de meus livros traduzidos, sei que isso é bom, mesmo com as deficiências inerentes à tradução. Tenho muita gratidão pelos tradutores, todavia, pois não falo nem árabe nem alemão nem grego nem russo, nem tantas outras línguas, e admiro demais os tradutores, há pessoas que fazem isso de forma genial.

Explique seu conceito de invisibilidade.
ANA -
Não entendi essa pergunta. Há diversas invisibilidades. O Mandrake fica invisível, e eu adorava sonhar que eu também tinha esse poder, quando lia as suas histórias em quadrinhos. E às vezes quase consigo, gosto de uma posição discreta, de observadora. Mas há outras espécies de invisibilidade.

Descreva todos os seus talentos na infância. Por que escolheu a literatura?
ANA -
Nasci, como todas as crianças, com todas as aptidões da sensibilidade, para desenho, música, movimento, ritmo, cor, teatro, fantasia, sonho, mas tive a sorte de ver as minhas aptidões desenvolvidas, sou uma pessoa versátil, e isso sempre foi uma faca de dois gumes, atrapalhou e ajudou, mas consegui solucionar esse problema, hoje convivo melhor com isso.

Como foi a sua experiência como atriz? Pretende voltar a atuar, por que?
ANA -
Foi uma ótima experiência, aprendi muito, principalmente sobre o Brasil, pois pude viajar e penetrar muitas realidades de nosso país, conheci muitas pessoas inesquecíveis, adoro cinema. Mas não sei se posso chamar minha experiência de um trabalho de atriz, eu apenas estava por ali, e me convocavam a participar dos filmes, au gostava de viajar com as equipes de cinema, era um tempo em que se fazia cinema por amor, mas a minha compulsão sempre foi autoral, jamais soube interpretar, não gosto de ser olhada.

Todo escritor escreve sobre relações humanas. Como você analisa o relacionamento das pessoas nos dias de hoje. Dá para comparar as relações atuais e as do passado?

ANA - Estão muito mais complexas, a sociedade está mais complexa. Antigamente você conhecia umas vinte, cinqüenta, cem pessoas em sua vida, e se relacionava com poucas. Hoje conhecemos milhares de pessoas, de culturas diferentes, o mundo está pequenino, pega-se um avião e no dia seguinte tudo mudou, e os grupos familiares são os mais inesperados, e a vida íntima das pessoas hoje é pública, tudo isso complica as relações. Mas os seres humanos continuam os mesmos, com seus sentimentos, amor, ódio, ciúme, inveja, traição, desejo de poder, etc etc.
Se pudesse voltar no tempo, reescreveria algo, achando que poderia ter feito melhor?
ANA - Tenho sempre reescrito meus livros, faço revisões em livros publicados, acabo de fazer uma revisão deBoca do Inferno, tomada de uma visão mais ampla, sempre se pode fazer melhor, sempre.

A mídia explorou bastante um suposto romance seu com o senador Eduardo Suplicy. O que acha sobre esse tipo de informação? Existe alguma verdade nestas notícias?
ANA -
Sempre preservei a minha vida pessoal. Não gosto desse tipo de publicidade. O Eduardo e eu somos amigos, e nos gostamos muito.

Comente essa frase, dita em uma entrevista para a revista
Caros Amigos: "estou sempre a favor do mais fraco, mesmo que ele esteja errado".
ANA -
Essa frase resume a minha atitude política, e ética. Tenho muito amor pelo pobre, pelo oprimido, por aquele que não tem oportunidade, pelo abandonado, pelo frágil, pelo fraco, um sentimento meio maternal. Não posso ver alguém em dificuldade, quero ajudar. Isso me faz sofrer muito.

Para você, qual o real significado da palavra solidão?
ANA -
Faz parte da condição humana, a solidão. Todos somos solitários, e vivemos em busca do outro, mas sempre somos apenas nós mesmos, e ninguém, jamais, tem o poder de compreender totalmente o outro, a compreensão, a afinidade, a conjunção, são apenas um desejo de fugir à solidão. A natureza de nosso trabalho, de escritores, nos põe em contato direto e constante com a solidão. Mas gosto de me iludir, achando que a solidão pode ser substituída pela comunhão, mas a comunhão se dá em momentos, momentos sublimes, mas fugazes.